É tempo

Depois de muito, muito tempo mesmo hoje resolvi cozinhar. Sim, só para mim. A vontade me voltou como no início quando lá atrás descobri o prazer que me dava essa prática. Perdi esse impulso quando perdi as pessoas que comiam comigo. Porque, não sei se você sabe, mas a maior parte do prazer em cozinhar vem do assitir as pessoas deliciando-se com o que você fez. Sem platéia todo show perdia um pouco o sentido. Mas hoje eu acordei diferente. Um sentimento de resgate percorria minha corrente sanguínea quase perceptível ao toque na minha pele. Sozinha em casa sentia meu coração acelerado no peito. E o desejo de buscar, de trazer de volta prazeres esquecidos deixados de lado era latejante. Como uma pessoa que administra duas casas, claro que não tinha muita coisa esperando nos armários até que esse desejo se reacendesse em mim. Fui investigar minhas possibilidades. Foi simples, rápido e não somente indolor como incrivelmente gratificante. Saiu um arroz 7 grãos, com linguicinha fina e açafrão. Modéstia às favas estava espetacular. Olhei para o meu prato e pensei sem pesar no quanto eu gostaria de ter a quem servir. Não, não foi um sentimento ruim. Foi quase que uma confirmação de que é tempo. Eu sorri faceira, pois nesse momento senti que é tempo de desenterrar talentos. É tempo de ser quem fui feita para ser. É tempo de reencher a casa. É tempo de recomeço. Chegou a hora do encontro e da promessa. Pode vir platéia. Eis me aqui. Estou pronta.