Me olho no espelho e, como nunca antes, gosto do que vejo. Não porque eu ache minhas marcas de expressão mais bonitas que a pele suave e lisa que eu tinha tempos atrás. Mas porque sei quem reflete a imagem. Conheço a história de cada manchinha. Da bolinha deixada pela catapora perto do nariz, do “risquinho” escuro provocado pelo grafite na infância ao lado do olho esquerdo. Além disso, sei bem o que cada “preguinha” que surge ao lado dos olhos quando sorrio quer dizer.
Essa noção de identidade é bem nova para mim. O olhar alegre que vem, mesmo depois de tantas lágrimas derramadas, é a certeza da plenitude de vida que me enche hoje.
Sim o tempo passou. Venço a vontade de dizer que foi muito rápido, pois não foi. Ele passou no seu ritmo. Talvez eu tenha estado distraída demais enquanto isso acontecia. O ritmo do tempo é preciso. Não. Ele não está correndo. Temos as mesmas horas que nos eram disponíveis desde sempre. Nossas prioridades é que mudaram.
Dedico um momento nessa reflexão em frente ao espelho. Busco memórias para justificar minha paz. Não encontro. A minha paz não vem do que vivi. Minhas experiências me garantem que o passo seguinte não será o definitivo e que eu sempre posso voltar atrás e fazer novas escolhas. Definitivamente a minha esperança não vem do que já fiz, ou do que aprendi, ela vem da minha fé. Sorrio para o espelho porque hoje eu sei.
Meu rosto não é mais o mesmo. Nem eu.
Jogo uma água na cara, respiro fundo e abro novamente os olhos. A mulher ainda está ali. Gotículas presas em meus cílios fazem brilhar toda minha face. Essa mulher carrega uma verdade tão grande sobre si mesma que se sente criança. Como gostaria de se saber assim há mais tempo. Como queria não ter chorado tanto pelo que perderia a importância em poucos anos. Como preferia ter valorizado outras pessoas, outros momentos. Uma vontade nova invade a alma da mulher agora. Como quer ser útil àqueles que se dispuserem a ouvi-la.
Penso tudo isso sem nenhum pesar. Porque todo o peso ficou no tempo que passou. Leve, hoje escolho projetar meu coração naquilo que ainda virá. Com os pés firmes na rocha da minha fé me apresso a colocar um pouco de cor nesse rosto. Preparo-me para mais um dia de trabalho, para mais um tempo de vida.
Desejo de coração que a próxima vez que você se aproximar de um espelho você possa tirar o foco da rigidez da sua pele e mergulhar no fundo de seus olhos. Foque em sua história, busque o que lá no fundo alimenta seu coração. Isso é o que traz viço ao seu olhar, e coloca um sorriso em seu rosto. E se não acontecer dessa forma, é bom questionar o que está te preenchendo. Pois assim como a boca fala do que o coração está cheio, os olhos refletem o que preenche a alma.
Porque o tempo, ah o tempo não te apaga. Ele te acende. Ele te empurra. Ele te apressa. Não como um castigo ou uma punição. Mas como uma motivação. Te dando seu próprio senso de urgência. Não, o tempo não é seu inimigo. Ele está disponível a você e em seu favor. O ritmo do tempo não muda, passa no mesmo compasso desde que o mundo é mundo, e que tempo é tempo. O que muda é o seu olhar.