Amor que constrange

Fiz uma viagem ano passado em um momento muito peculiar de minha vida. Eu vinha de meses de mudança intensa, de dentro para fora mesmo, e coloquei naquela viagem de férias uma expectativa imensa. Mas dias antes de viajar acontecimentos muito emblemáticos me tiraram o chão. Fui de uma esperança exagerada ao maior tombo que já havia levado, em questão de horas. E foi nesse misto de sentimentos que embarquei no avião que me levaria para o outro lado do mundo. Não preciso dizer que a viagem tomou um sentido completamente diferente do esperado. De uma possibilidade de descanso e conhecimento do novo passou a ser um mergulho profundo em minha própria alma. Eu oscilava entre distintos sentimentos em intervalos de tempo tão curtos como as paradas entre as estações dos trens que pegava. Parava em pontos turísticos, conhecia comidas e histórias das mais diversas, curtia com as pessoas o tempo que fosse possível e depois voltava novamente ao meu casulo. Mas um dia em especial me marcou. Por andar muito e com sapatos novos – tão eu – machuquei feio meu pé direito e por isso fui impedida de participar da trilha programada para o dia. De qualquer forma resolvi ir até o ponto final e esperar que os caminhantes me encontrassem ali após o percurso. Era um dia nem frio nem quente e tinha um tímido sol no céu. Desci do trem, caminhei pela orla e decidi me aconchegar na praia. Era uma natureza completamente diferente das que conhecia. Não havia areia, a praia era toda coberta de pedras em tamanho médio, o mar parecia gélido, nem me atrevi a colocar um dedinho sequer. Me agachei, deixando de lado minha mochila, para encontrar uma posição. Ao tocar as pedras percebi que estavam quentes. O tímido sol havia sido bastante competente e me proporcionava um conforto natural. Peguei meu livro e sem pensar me deitei. Podia sentir ás costas aquelas pedras me aquecerem, ouvia o barulho do mar, e vislumbrava um azul sem nuvens acima. Foi exatamente nesse momento que uma lágrima me escapou dos olhos. As lembranças de uma vida inteira começaram a passar pela minha cabeça. Imaginei todas as viagens que eu já havia feito e todos os diferentes lugares em que tinha tido o privilégio de estar. Pensei em minha família e na indiscutível verdade que, de todos, somente eu recebera tantas oportunidades como aquelas. Senti que era amada demais e o reconhecimento desse amor indescritível me constrangeu. Eu estava lidando com emoções confusas, mas estava literalmente estirada em um leito de pedras quentes em uma linda praia irlandesa. Eu me sentia como uma princesa que ao se magoar tinha autorização para ir à presença do rei e ser confortada em seu próprio colo. Eu sentia que tudo o que já havia acontecido até ali e que viria acontecer depois estava totalmente sob o controle daquele que me preparara o momento do descanso. Ele sempre soube que eu precisaria me afastar, sempre soube que eu precisaria me retirar para um tempo só nosso. A viagem tinha sido marcada muito tempo antes, sem que eu sonhasse em que estado de espírito realmente viajaria. Mas a minha recepção, o meu tratamento, estavam lá prontos para quando eu chegasse. Naquele dia, naquela praia, eu tive a maior prova do amor de Deus por mim, a maior prova de seu cuidado e atenção aos detalhes. Naquele dia, eu tive a certeza absoluta da minha posição de filha. Entendi que não importam as circunstâncias, não importa o que alegrou ou o que doeu. Eu sempre poderei voltar ao meu refugio, onde enfrento meus medos e minha própria natureza, deitada em pedras quentes preparadas para mim.    

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