Minha quarentena

Olho o céu lá fora e ele me parece mais limpo. Pode ser apenas impressão. Mas sinto uma limpeza acontecendo nesse momento. Parei. Não de trabalhar, mas de sair. Não de pensar, mas de me maquiar, de usar salto. De casa sigo a minha rotina diária ainda mais intensa que antes. Sem acessórios, ok, mas com mais concentração. Pensei. Por que tantos estão surtando? Imaginei que estivesse sendo mais fácil para mim do que para alguns pela intensidade que meu trabalho tomou e o quanto isso me ocupa a cabeça. Sim com certeza vivo esse privilégio hoje. O de não ter tempo para pirar. Mas depois me vi almoçando sozinha em minha própria mesa e em uma retrospectiva solitária lembrei que isso é comum em minha vida tem muito tempo. Almoço sozinha a maioria das vezes. Tenho tempos muito longos comigo mesma tem anos. Dias, finais de semana, tempo mesmo, em que convivo com minha personalidade e divido apenas comigo sentimentos bons e ruins. Vejo agora que a vida me preparou para bem mais coisas do que eu poderia supor. Me preparou inclusive para um momento tão único como o que vivemos hoje. Fomos todos obrigados a viajar para dentro, de nós, de nossas casas, de nossas vidas. Mas eu já estava lá. O que muda para mim agora é entender que já estava. É ter a consciência de que consigo e acho bom conviver comigo. Lógico que como todos não sairei desse momento da mesma forma que entrei, mas não vejo uma mudança radical em minha essência, e sim uma aceitação radical dela. A generosidade e a solidariedade se intensificam dentro de mim hoje, sim claro. Uma consciência maior sobre o consumo, com certeza. E espero que isso me faça melhor do que fui até aqui. Mas sou grata por notar quase obrigada que não passei pela vida sem aprender. Que não tapei feridas com bandaid. As tratei e tenho as cicatrizes. Que a solitude e não a solidão me ensinaram a amar a minha companhia. E que o não querer estar só não é uma condição para estar bem e sim uma escolha de estar melhor. E acima de tudo poder transbordar a experiência e a capacidade de amar que sinto pulsar em mim. Tão forte quanto a minha saudade, tão intensa quanto a minha vontade de abraçar. Assim como vejo esse céu limpo hoje, desejo ser limpa. Tirar as cascas do medo, arrancar do coração as ofensas, limpar a alma das dores passadas. Seguir. Mais uma vez, cheia de esperança de que em um momento breve, um sorriso me abrirá caminho novo. E um toque no rosto me fará entender que há futuro. Em meio ao caos, depois do susto.    

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